Travessia / Orlando

Apresentação do trabalho desenvolvido nas Oficinas com alunos da Universidade do Minho

Quinta 2 dezembro, 21h30

CCVF / Café Concerto

A TN21 a partir do seu novo espetáculo “Orlando” e fazendo jus ao seu histórico de trabalho e registo que contribui para a inclusão, decidiu envolver os alunos da Universidade do Minho neste projeto, confrontando-os com a diversidade e complexidade das temáticas envolvidas, como a questão de género (incidindo na transexualidade e no transgénero) e a deficiência (física ou mental). Através de testemunhos na primeira pessoa pretende-se oferecer aos alunos as perspetivas psicológicas, cívicas, legais, emocionais, artísticas e de saúde dos temas abordados, com o objetivo de deixar bases para uma reflexão crítica e problematização dos temas, que darão origem a um objeto final e de apresentação.

“Importa saber que histórias são usadas para contar outras histórias” – Donna Haraway

Em “Um Quarto só Seu” Virgina Woolf investiga uma estante de livros onde nãohá peças dramáticas escritas por mulheres, procurando trabalhos que “não estão lá”.

O trabalho sobre o qual a autora se debruçou para “Um Quarto sóSeu” foi extremamente complexo e de certa forma frustrante. Publicou estao bra em 1929, apenas um ano depois de ser concedido às mulheres Inglesas odireito de voto. Em 1928 pronunciou em duas escolas para mulheres osdiscursos que foram a base do livro, acompanhada por Vita Sackville-West, suaamante por uma década, e a inspiração para a história de “Orlando”, publicada nesse ano. [1] Virginia foi educada pelos seus progenitores, visto que à época, apenas osrapazes eram enviados para as escolas. Apenas aos 15 anos teve aoportunidade de ir estudar, embora tivesse crescido rodeada da vastabiblioteca que tinha em casa. Em 1901 começou a forrar livros como passatempo, o que a levou mais tarde a fundar a editora “Horgarth”. A sua Saúde mental foi problemática por toda a sua vida, e em 1941 cometeu suicídio por afogamento, colocando pedras no seu casaco, e mergulhando norio Ouse; mais uma vítima dos “tempos horríveis” da Guerra.

“Aqui estou eu então (tratem-me por Mary […] ou outro nome que vosagrade – é uma questão irrelevante)”. “«eu» não é mais do que umtermo conveniente para designar alguém que não é real”. [2]

Em Um quarto só seu,“ [a] narradora atravessará ou visitará espaços interditos às mulheres,desde o relvado do campus da universidade, só permitido a catedráticose académicos, à biblioteca, fortaleza inexpugnável para as mulheres, quesó nela podem entrar quando acompanhadas por um homem […]fazendo ainda ressurgir nomes não canónicos, ou seja, revisita a história,através da criação de histórias várias, mas também de dados e factos,alguns supostos, outros muito concretos e relacionados com o seutempo: a discriminação sofrida pelas mulheres, o seu silenciamento naescrita, o seu silenciamento da escrita. Mostrando que essadiscriminação é da responsabilidade não tanto da escrita em si, mas detudo o que constitui o campo do literário e do social.”
– Ana Luísa Amaral, “Sótãos, maçãs e mundo: Um Quarto só Seu” [3]

De visita às duas escolas de mulheres, na universidade de Cambrige, Virginia nota a diferença entre estas e as escolas masculinas: O almoço nas escolas masculinas foi de grande pompa, faustosos, luxuosos, com vinhos caros e pratos de carnes raras. Mais tarde ao jantar, na escola de mulheres, bebia-se água, comiam-se batatas simples e um simples caldo de carne com legumes.

Daí questiona-se acerca da pobreza de um sexo e do luxo de outro. Conversacom as professoras da escola de mulheres, que lhe mostram o quão difícil foi arrecadar o dinheiro necessário para a construção do edifício. Ao passo que, as escolas masculinas eram reconhecidas pelo seu luxo, pompa e privilégio. Daí questiona-se o que terão andado a fazer as suas avós, para não lhes terem deixado quase nada, enquanto que os avôs, deixaram doações luxuosas em ouro e notas de banco para estabelecer as escolas que ensinariam os homens.

Ao tentar entrar na biblioteca de Cambrige, é barrada por um senhor, e ao passear distraída no exterior, é intercetada por alguém que a impede de pisar o relvado, reservado aos catedráticos e patriarcas.Mais tarde, vai ao museu britânico, onde estão arquivados os livros todos dopassado. Decide pesquisar nessas montanhas de livros acerca das mulheres.

Questiona-se: como encontrarei a verdade nestas carradas de papel? Descobre que muita coisa é dita acerca das mulheres, e sempre por homens. Afirma:“são os seres mais discutidos do universo”. Esta investigação leva-a a questionar o lugar e o papel das mulheres nahistória e na literatura.

Porque estará aquela prateleira (com livros escritos pormulheres) vazia? A autora investiga as histórias das antepassadas, que,limitadas pela sociedade patriarcal, não foram capazes de fazer fortuna, deestudar ou deixar um legado perene às gerações posteriores. Inspirada pelas escritoras mais recentes, começa a traçar uma contra-história,um cânone alternativo, e vai preenchendo as prateleiras com livros deDickinson, Bronte, Jane Eyre entre tantas outras. São narradas e investigadasas histórias e os versos de diversas autoras, e postos em contraponto com as limitações criadas pelas contingências, a falta de espaço, privacidade, dinheiroe liberdade das mulheres. Por fim, chegámos às prateleiras de livros escritos por autores vivos, homens emulheres. E descobrimos que o grande espírito é andrógino. É preciso ser homem e mulher ao mesmo tempo. Ser ambas. Só assim o espírito se pode expandir e deixar a sua marca na história. Só assim podemos ser livres,integrando o que é humano. As 500 libras que Woolf refere em 1928, seriam hoje mais de 30.000 euros por ano. O salário médio dos homens é hoje de cerca de 1100 euros, e o das mulheres é de 922, o caso está ainda por resolver. As mulheres, hoje com mais qualificações, 49% das mulheres entre os 25 e 34 anos têm diploma superior,contra apenas 35% dos homens, recebem no entanto apenas 76% do valortotal dos seus pares masculinos para os mesmos empregos.

[1] Interessante, porque sendo “Orlando” uma espécie de carta de amor, dedicada a Vita, a publicação do livro marcou o início de tensões entre elas, sendo que Vita chegou a queixar-se que Woolf preferia escrever fantasias sobre ela em vez de lhe dar afeição na vida real… Ainda assim foram amigas por toda a vida.

[2] Virginia Woolf, Um Quarto só Seu, 2021

[3] Ana Luísa Amaral, “Sótãos maçãs e mundo: Um Quarto só Seu”, in “Um Quarto só Seu”, Virginia Woolf, 2021

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Conceção TN21, A Oficina, Licenciatura em Teatro – Instituto de Letras e Ciências Humanas – Universidade do Minho
Direção Oficinas Presenciais 
Albano Jerónimo, Cláudia Lucas Chéu

Pesquisa e material de consulta TN21

Direção de curso e coordenação pedagógica Universidade do Minho Francesca Clare Rayner

Coordenação Oficinas Sara Cavaco

Tanto o filme documentário “Travessia”, como o vox-pop realizado com a comunidade de Guimarães e o resultado final do trabalho desenvolvido com os alunos da Universidade do Minho, constituem um complemento essencial ao espetáculo “Orlando” e estarão disponíveis em exibição permanente, para acesso público, no Espaço Escuta, na Praça Coberta do CCVF.

https://www.ccvf.pt/detail-eventos/20211204-orlando/